Marcus Nakagawa*
Em outubro, tive a oportunidade de fazer uma palestra em Campo Grande sobre o tema do profissional de sustentabilidade para os alunos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e outros convidados, que atuam no social e no ambiental na cidade e região.
Como sempre, a troca foi muito rica, porém, mais do que isso, o que me deixou mais realizado foi conhecer, por intermédio de uma ótima profissional especializada em sustentabilidade na região, histórias de pessoas maravilhosas, que estão batalhando por um mundo mais inclusivo, verde, criativo e com mais vida.
O primeiro empreendedor que conheci era uma pessoa muito especial, totalmente conectada com o tempo de hoje e de amanhã. Ele fabrica maquinário para a produção de tijolo, blocos e pisos ecológicos, e desenvolveu um processo que aproveita o lixo para fazer tijolos mais ecológicos ainda. Como? Isso mesmo, fazer tijolos e blocos para construir casas, prédios, galpões, lojas etc. provenientes dos nossos lixos, que atualmente não possuem mais espaços dentro e fora das cidades para o seu descarte.
Entusiasmado, o empreendedor mostrou como faz com que o lixo seja triturado, tratado e vire uma espécie de areia, que segundo ele, é mais resistente que a normal. Com isso, em suas máquinas especiais, a areia que antes era lixo, juntamente com solo e cimento e por meio da prensagem, tomam forma de tijolos ou blocos que se parecem Legos, sem necessitar da queima de combustíveis fósseis. Os tijolos se encaixam e, com uma espécie de cola, vão aderindo entre si.
Talvez isso seja comum na construção, mas tenho que admitir que não conhecia e fiquei impressionado com a rapidez e a possibilidade de não utilizar água e outros produtos que geram mais resíduos. A ideia deste tijolo e bloco ecológico com base no lixo é elaborar projetos com prefeituras que já estão com seus aterros lotados e querem dar uma destinação mais legítima para os seus resíduos e, assim, produzindo tijolos para construção de casas para a sua população.
Obviamente que o custo deste benefício exige um investimento inicial, como todo bom negócio, porém o retorno é muito valioso, garantiu o empreendedor, não só no resultado das construções, mas como também na gestão dos resíduos, além do ganho de moedas políticas com a população, sem esquecer do verdadeiro desenvolvimento sustentável.
O segundo empreendedor que conheci era da Escola Pau Brasil, com o foco em marcenaria, design e empreendedorismo da ONG Gira Solidário, e que tem um espaço amplo com todos os equipamentos do ofício.
Embora não entenda do ofício, fiquei impressionado com a qualidade e a organização. A história não era somente esta, do espaço e dos alunos de classe menos favorecida que tem uma oportunidade de ter um trabalho, mas sim dois empreendedores sociais que deixaram a Suíça, na Europa, para se dedicar a este tipo de projeto e estilo de vida.
Um empreendedor deixou definitivamente as regalias materiais do seu rico país, onde era publicitário, para se dedicar de corpo e alma a uma causa. Já o outro, passava algumas temporadas no Brasil, ensinando os jovens e adolescentes, sem necessariamente falar o português, a conhecerem design, e metodologias de marcenaria.
Só assim mesmo para sair móveis, objetos de decoração e arte que não ficam atrás de nenhuma loja de shopping de decoração. Tudo feito com madeiras reaproveitadas, que são doadas diretamente das empresas, madeireiras e até de casas demolidas. Este material todo segue as regras e normas ambientais, pois segundo os empreendedores, todo o processo começa a partir da origem das madeiras.
O interessante é que os alunos passam três anos no curso e a cada fase, existe uma avaliação e, se for bem sucedido, ganha ferramentas para uma caixa bem grande. A ideia é que no final do curso, após várias avaliações, o aluno já saia com uma caixa com todas as ferramentas para que ele possa realizar o ofício em casa ou em alguma outra marcenaria.
Além disso, alguns alunos após a formatura são chamados para a trabalhos de elaboração de móveis na própria escola e para serem monitores de alunos mais novos. É o ciclo virtuoso acontecendo nos arredores de Campo Grande. O projeto possui apoio de várias empresas, institutos e governo, porém existe sempre a necessidade de mais patrocínio e doações, para que mais jovens sejam atendidos e que as instalações sejam ampliadas.
Por último, tive a oportunidade de conhecer alguns empreendedores que estão dentro da própria Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Biologia eque trabalham com arroz selvagem do Pantanal e outras espécies de plantas nativas da região, que são capaz de gerar renda. São professores, doutores, mestres e entusiastas das comunidades ribeirinhas e nativas do nosso querido Pantanal.
Suas atividades vão além de colher e analisar as espécies de plantas e afins, ou seja, são verdadeiros empreendedores mapeando a comunidade e a suas necessidades, trabalho muitas vezes realizado com ONGs como a ONG Ecoa. Neste empolgante trabalho, mapearam os principais produtos que o próprio Pantanal pode oferecer a partir de extração sustentável e responsável.
O que mais impressionou foi o arroz selvagem do Pantanal que só dá uma vez ao ano e são somente dez dias de estiagem para a colheita. Esta é realizada em barcos e um plástico que fica boiando na água. Os ramos do arroz são batidos e os grãos de arroz caem no plástico boiando. Com isso são secos, ensacados e enviado por barco, que demora alguns dias até chegar na cidade mais próxima. Com isso, é trabalhado e vendido a cerca de R$ 80,00 o quilo. Pois é, valor agregado, quase uma raridade como as trufas italianas utilizadas na alta gastronomia.
A Universidade com o ajuda de alguns apoiadores governamentais conseguiu elaborar uma etiqueta para o saco da arroz para ser comercializado. Porém, investir neste tipo de atividade pode ser arriscado, pois se chover na época da colheita, a preparação de um ano inteiro pode vir por água abaixo (literalmente). Os grãos que seriam colhidos acabam caindo no rio e indo embora.
Agora o desafio é elaborar um plano de negócios para o arroz e outros produtos nativos buscarem uma demanda de mercado mais constante e uma venda planejada, fazendo as famílias ribeirinhas terem retorno financeiro. Estes empreendedores buscam agora uma parceria interna na Universidade com outros alunos da administração para pensar num processo de marketing, gestão e produção.
Três maravilhosos casos de empreendedores que estão lutando pelo o desenvolvimento,tomando cuidado com a natureza e com as pessoas envolvidas direta e indiretamente.
Porém, (pois é, sempre tem um porém para que o tema da sustentabilidade atinja uma velocidade mais rápida e seja o verdadeiro padrão no modo de pensar e agir) infelizmente a região possui, na sua maioria, um pensamento em que o status quo é a palavra de ordem, pois a posse da terra ainda é a lei e o poder, e não as ideias inovadoras ou as pessoas. Estas impressões foram passadas por muitas outras pessoas com quem convivi neste dias, além de ter presenciado algumas discussões que mostraram isso claramente.
Empreendedores especiais com ideias geniais, muito sangue, suor e lágrimas que continuam no seu dia a dia “arrebanhando” pessoas para as suas inspirações e crenças. Eles buscam mudanças de paradigmas, estilos de vida e, principalmente, a verdade dos valores pessoais. Tive a honra de conhecer estes e muitos outros fora do eixo Rio – São Paulo, que representados por estes três empreendedores, fizeram com que minha visita ficasse ainda mais rica, minha trilha da vida ainda mais recheada de luz e minha voz muito mais alta para poder gritar e mostrar para os meus alunos, colegas de profissão, amigos e amigas que ainda existe muita gente buscando o tal do desenvolvimento sustentável neste mundo!
*Marcus Nakagawa é sócio-diretor da iSetor, professor da ESPM, presidente do conselho deliberativo e idealizador da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade e palestrante sobre estilo de vida sustentável, sustentabilidade e responsabilidade social (marcus@isetor.com.br).