Trânsito, poluição, violência, falta de árvores e natureza, pouca drenagem de água, falta de saneamento, lixo, problemas, problemas e mais problemas. Este é o dia a dia de um gestor público que busca, por meio de seu trabalho, transformar os impostos da municipalidade, do estado e da instância federal, em uma melhor qualidade de vida para as pessoas dentro do nosso sistema de Welfare State ou Estado Social.
Estes primeiros sinais de políticas sociais que tanto estamos acostumados e culturalmente envolvidos nasceram no final do século XIX após a Segunda Guerra Mundial e os países de destaque foram Inglaterra e Alemanha. É importante saber que esta generalização das políticas de proteção social não tem um único padrão. Os modelos do Welfare State eram adaptados, de acordo com as diferenças econômicas, políticas e culturais de cada país. Assim, consideramos que este conjunto de bens e serviços sociais é o Estado que deve fornecer para cada cidadão, pois ele é o órgão máximo regulador e provedor. Ou seja, estamos acostumados a receber a assistência por somente ter nascidos aqui neste país.
Dentro destes direitos estão todos aqueles serviços que nós brasileiros temos como benefícios, tais como educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos filhos, entre outros. Não estou fazendo juízo da qualidade destes, apenas listando. Muitos entendem estes benefícios como um assistencialismo barato que pode ser facilmente manipulado por meio de trocas de favores e “jeitinhos” brasileiros dentro da esfera política. Não questiono o Welfare State, mas sim uma atitude mais proativa de muitos brasileiros que acabam sendo “comprados” por estas facilidades de sobrevida neste nosso planeta.
Acredito sim que muitos destes benefícios trouxeram muita gente para acima da linha da pobreza, dando-os o direto ao acesso ao consumo e, finalmente, a decidir qual marca eleger, sim como se fosse uma eleição para escolhermos em qual marca votar. E aí chegamos no ponto do consumo mais ou menos consciente dentro de cada lar, dentro de cada cidade. Qual marca votar?
Isso mesmo, cada vez que estamos escolhendo um produto ou um serviço, estamos votando e dando credibilidade para uma marca e dinheiro para alguns acionistas que transformam visões e missões em serviços e produtos para utilizarmos, para experimentarmos, para guardarmos ou jogar fora. Estou elegendo uma satisfação pessoal que a marca X ou a marca Y irá me proporcionar e com isso arrisco comprar para atender as minhas necessidades básicas de fisiologia, de segurança ou algo mais aprimorado como necessidades ligadas ao afetivo, a autoestima e a realização pessoal como na pirâmide de Maslow. Esta é a base do consumo, que pode ser consciente ou inconsciente, e em alguns casos inconsequente.
Toda vez que escolhemos um produto ou serviço acabamos impactando diretamente ou indiretamente no planeta, no país, na cidade, no bairro, em casa. Mas o que estou querendo dizer com isso?
Que o consumidor tem que entender quem é esta empresa que está oferecendo estes serviços e produtos. Não podemos, nesta atualidade toda conectada, querer escolher ou votar em uma marca só porque é de menor preço. Sei que, falando em “vida real”, funcionamos na maioria das vezes assim, mas estou propondo um avanço na nossa visão unilateral para uma visão tridimensional. Nesta avaliação de eleição de produtos teremos que ver também, além do financeiro, as questões sociais e ambientais, o famoso Tripé da Sustentabilidade.
As empresas cada vez mais precisam inserir estes dois temas na estratégia de negócios e não apenas deixar como um adendo ou um projeto. Estes dois temas precisam estar no mesmo patamar dos planos financeiro e orçamentos anuais. E assim agregará valor para a marca, deixando ela mais robusta e duradoura.
Uma pesquisa global recente da Nielsen mostra o quanto as pessoas desejam pagar mais por produtos e serviços de empresas comprometidas com a responsabilidade corporativa e a sustentabilidade. Dentre os 30 mil consumidores de 60 países mostra que 55% demonstraram disposição para pagar mais por produtos e serviços que tenham o que eles chamaram de “propósito social”, um avanço em comparação a todas as pesquisas existentes anteriores. E 52% comentaram que compraram ao menos um produto ou serviço de empresa socialmente responsável nos últimos seis meses. Dos 30 mil entrevistados, metade era de idade entre 21 a 34 anos, e estes estão ainda mais propensos a consumir de uma forma mais sustentável, pois 51% deste grupo chega a ler a embalagem e estão dispostos a pagar a mais por estes produtos mais sustentáveis.
Estamos falando de uma nova geração de consumidores que na hora da compra querem buscar saber efetivamente qual o impacto social e ambiental que os processos da empresa, os fornecedores dos fornecedores e os principais públicos de relacionamento (stakeholders) desta empresa estão fazendo.
Ao redor e no campo da interação com o dia a dia tem um espaço chamado cidade que agrupa todos estes atores da sociedade e os seus processos de compra e venda. E neste espaço tem um grupo que foi eleito para tornar este espaço mais agradável e oferecer qualidade de vida para os seus atores, seguindo as premissas do Welfare State.
Este grupo que é responsável por estes espaços de interação entres os vários públicos é o Governo. Ele, juntamente com os verdadeiros cidadãos participativos, tem que entender que crescimento é diferente de desenvolvimento. E não falamos só do desenvolvimento fabril ou social, mas também do desenvolvimento da cidade. As cidades, assim como as empresas, não podem só crescer baseados no per capita arrecadado, como no lucro das empresas, mas sim no desenvolvimento sustentável. Num amadurecimento em lidar com os relacionamentos diários com os vários públicos e atores, criando sistemas de educação e mobilização. E neste ponto as empresas podem ser parceiras para que junto com a população e com outras organizações sejam corresponsáveis por esta empreitada.
Por outro lado, as cidades podem começar a demandar também de seus fornecedores de serviços e produtos atitudes mais sustentáveis – o governo é um dos maiores compradores de produtos e serviços – até chegar numa evolução de selecionar somente organizações que tenham este tema na sua estratégia de negócios. A Rede Nossa São Paulo é um exemplo de um grupo que está propões melhorias, controla e supervisiona as ações do prefeito e da cidade. Além disso, existem vários prêmios e indicadores de cidades sustentáveis como o “Sustainable Cities Awards”, da Austrália, que estimula as cidades daquele país a serem mais sustentáveis. Já na Europa, existe uma plataforma de cidades sustentáveis com vários casos, estudos e exemplos de práticas nas cidades. E também o Global Sustainability Award, que em 2010 elegeu Curitiba como uma cidade mais sustentável, que segundo o júri, por possuir uma “abordagem holística” para encarar os desafios da sustentabilidade. A plataforma brasileira Programa Cidades Sustentáveis também tem vários exemplos de boas práticas e indicadores para os prefeitos e organizações ligadas ao tema. Como exemplo de cidade temos a de Kitakyushu, no Japão, que foi o primeiro município do país a desenvolver o conceito de Eco-Cidade ou de “Visão Verde”, que é um plano de 15 anos para enfrentar as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento econômico de San José, sempre buscando a qualidade de vida do cidadão.
E não apenas os grandes, municípios menores como Cotia, podem também estar inseridos neste cenário. Botucatu, que fica a 260 quilômetros de São Paulo, teve o melhor desempenho ambiental em 2012, resultado do esforço conjunto de força pública, privada e contribuintes, sendo a primeira da lista da quarta edição do ranking Município Verde Azul, realizado pelo governo de São Paulo. Cotia tem um grande potencial, pois possui áreas maravilhosas como o Parque Cemucam, áreas verdes dentro dos condomínios, além de fontes, rios e córregos e alguns moradores que têm a consciência e defendem o meio ambiente.
Este é o começo de um pensamento mais sistêmico. E este ponto é a maior dificuldade de tudo. Para organizar nossos conhecimentos fizemos as devidas separações em todos os conceitos que conhecemos. Empresa faz isso, governo faz aquilo, cidadão faz e isso, e assim por diante. Está na hora de começar a quebrar este paradigma linear e de “caixinhas” para um modelo mais sistêmico e orgânico, com um pensamento de rápidas ligações, soluções e implementações. Temos que ter um engajamento maior e cada fazer a sua parte. Sonho um dia poder transformar juntamente com amigos alguma realidade, mas tenho a certeza que isso começa dentro de mim e dentro de cada um para depois expandir e se conectar. Vamos começar esta caminhada rumo ao desenvolvimento sustentável? Está mais do que na hora!
*Marcus Nakagawa é sócio-diretor da iSetor; professor da ESPM; idealizador e presidente do conselho deliberativo da Abraps; e palestrante sobre sustentabilidade e estilo de vida. www.marcusnakagawa.com